Não sei como surgiu, de onde veio, e, muitas vezes, também não sei o que fazer com ele. Ainda estou aprendendo a lidar com tudo isso, mas penso que nunca saberei seu verdadeiro propósito...

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A velha Senhora rica - Parte 1


Uma coisa que sempre me assustou é esse vai-e-vem de pessoas, principalmente nas grandes cidades, onde vão se acotovelando, se topando, se desviando umas das outras... Eu moro na cidade de São Paulo desde que nasci e, confesso, que isso já faz algum tempo. Na infância eu nunca ia muito longe sozinho pois tinha medo de desaparecer entre a multidão. E eu sempre via muita gente, até nos pequenos grupos reunidos eu achava que tinha gente demais e umas muito perto das outras, um emaranhado que eu nunca entendia. Como era possível as pessoas ficarem coladas umas às outras daquele jeito? Era o tipo de coisa que me causava falta de ar só em pensar. Hoje, apesar de ver muito mais gente nas ruas, eu afrouxei um pouco o cinto e resolvi relaxar. Agora me permito curtir melhor os passeios e as caminhadas por essa cidade tão linda e, ao mesmo tempo, tão assustadora. Aliás, eu já estava caminhando pelo centro há 20 minutos e estava encantado com a energia daquele sol e com a magia adormecida daquele lugar. Sentei-me um pouco em um banco na Praça da Sé e fiquei imaginando o glamour que um dia tivera o centro. Que pena que os centros das grandes capitais estavam tão esquecidos e deteriorados. De repente, uma brisa fria mas suave bateu no meu rosto e revoltou-me os cabelos. Olhei para ambos os lados e senti um arrepio. Bom... devo dizer que sou uma pessoa esquisita, pois tenho sensações muito estranhas e controversas nos mais diferentes lugares e nos momentos menos apropriados. Acho que já deu para perceber que sou estranho mesmo, não é? É melhor que eu me apresente direito para não causar, ainda mais, uma má impressão.
Meu nome é Jorge Henrique Lencaster, tenho 37 anos e dou aulas de história em algumas universidades importantes na cidade de Sâo Paulo. Apesar da educação no nosso país estar cada vez mais fora dos trilhos, ainda sinto muito prazer em dar aulas pois amo o que faço. Moro sozinho em um apartamento na Vila Mariana e levo uma vida pacata sem significativos altos e baixos. Como todo bom historiador gosto muito de pesquisar e visitar lugares históricos. Meu hobby é a fotografia, ou seja, registro todos os meus passeios através das fotos. Sou muito organizado e procuro catalogar digitalmente todos os meus álbuns, mesmo porque, volta e meia, utilizo as fotos para preparar minhas aulas de história.
Novamente uma brisa fria passou por mim. Resolvi levantar-me daquele banco e caminhar mais um pouco. Eu estava sentindo um prazer imenso ao contemplar a arquitetura dos prédios mais antigos. - Que beleza! - eu ia pensando.
Em certo momento, uma cena me chamou muito a atenção: uma senhora de mais ou menos 70 anos, vestida elegantemente, porém trajando uma roupa antiga, estava parada em frente a um prédio e olhava atentamente para a entrada do edifício. A senhora estava usando belas joias ou então bijuterias muito finas que se assemelhavam muito às verdadeiras. Ela tinha um olhar assustado e parecia se esconder atrás de um poste, e de vez em quando, saia de trás do poste e mostrava o rosto. A senhora estava muito aflita e preocupada e parecia estar a espera de alguém. Uma preocupação me veio imediatamente: era muito perigoso uma senhora usar tantas joias naquela rua movimentada e cheia de pessoas mal intencionadas. Não sei porquê mas resolvi conversar com ela para avisar-lhe que poderia correr algum perigo de assalto ou algum tipo de violência. Enquanto eu ia me aproximando dela, percebi que ninguém dava a menor importância a ela, era como se ninguém a notasse.
- Olá, está tudo bem com a senhora? Algum problema? - indaguei eu a ela.
Ela não teve a menor reação, era como se ela não tivesse ouvido nada ou simplesmente achado que eu estivesse falando com outra pessoa.
- Senhora, posso ajudá-la em alguma coisa? A senhora parece muito aflita! - repliquei.
Ela direcionou um olhar profundo, porém vazio, a mim, fitou-me por uns segundos e perguntou:
- O senhor está falando comigo?
- Sim! - respondi.
- O senhor é um de nós? - disse ela com um olhar frio. - O senhor não está... digo, o senhor não parece um de nós...
Comecei a ficar ainda mais preocupado. Alí estava uma senhora usando roupas caras e antigas, muitas joias e adornos e sem a mínima noção da realidade violenta da nossa cidade. Pior ainda, parecia confusa. Estaria louca? O que ela queria dizer com "um de nós" ?  De qualquer forma, me convenci de que eu deveria apenas alertá-la e deixá-la ao seu próprio destino.
- Minha filha... ela está alí! - falou-me a senhora apontando para a entrada do pequeno prédio. - Ela é uma das meninas de Dona Ciça. Ela é uma... - a velha senhora baixou a cabeça e levantou-a novamente e com um olhar triste continuou - prostituta... Ela se tornou uma prostituta! E foi por minha culpa! Eu não soube ser uma boa mãe. Eu virei as costas para ela no momento em que ela mais precisava de mim. Eu desgracei a vida da minha família. Eu tornei a vida de todos insuportável. Todos somos infelizes agora! E agora ela trabalha e vive nesse bordel que pertence a essa mulher baixa chamada Dona Ciça. Mas.. eu não lhe guardo rancor, pois talvez essa mulher tenha feito muito por Isabelle, milha filha. Até mais do que eu. Deu-lhe um teto para morar, deu-lhe comida quando ela foi jogada na rua por mim... - a senhora baixou novamente a cabeça.
Uau... - pensei! Que história! A situação me transportava de volta no tempo. A história daquela tal de Dona Ciça, o bordel, a prostituta... tudo parecia tão fora de época. Além do mais aquele prédio era comercial, como poderia abrigar um bordel? Será que os homens ainda procuravam bordéis? Realmente, a Senhora não devia estar no seu juízo perfeito. Devia ter fantasiado toda àquela história.
- Senhora... a senhora devia tomar mais cuidado, pois há muitos ladrões por aqui que poderiam além de roubar as suas joias causar-lhe algum tipo de violência física. A senhora está sozinha? Penso que seja melhor que volte para sua casa antes que entardeça. A senhora sabe voltar para casa? - perguntei eu angustiado.
- Isso não importa! Isso que você diz não tem a menor importância! Eu preciso que você me ajude. Diga que vai me fazer um grande favor. Por tudo o que é mais sagrado, me ajude! Leve um recado para Isabelle, pois preciso falar com ela. Preciso pedir-lhe perdão... ela tem que volta r comigo para casa. - A senhora parecia à beira do desespero.
- Tudo bem! Acalme-se. Vou tentar ajudá-la, certo? Como é o seu nome?
- Paulina Theorore Fontim - disse.
- Ok... Dona Paulina me espere aqui enquanto eu vou entrar no prédio para tentar encontrar a sua filha. Não saia daqui, certo?
Ela assentiu com a cabeça.
Eu caminhei até a entrada do prédio e, de vez em quando, olhava para trás para saber se a velha Senhora permanecia ali. Ela continuava parada no mesmo lugar e, agora, já estava um pouco mais tranquila. Fui até um dos seguranças do prédio e o abordei: - Por favor, o senhor pode ficar de olho naquela senhora ali por alguns minutos? - disse eu apontando na direção dela. - É só o tempo de eu fazer uma ligação para pedir ajuda...
O segurança olhou na direção apontada, virou-se para mim e disse: - Que senhora?
Acredito que essa tenha sido a pergunta mais confusa que eu já ouvira. Foi naquele exato momento que eu tive a sensação de que a minha vida mudaria para sempre. Aquela situação macabra fêz com que eu ficasse confuso, sem chão.. E foi olhando para aquela Senhora que constatei que o segurança não estava vendo ninguém e que, inexplicavelmente, apenas eu conseguia vê-la.

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